Comecei a ler recentemente As Mentiras da Nonna (compre aqui). Lançado em 2018 por Alberto Grandi com o brilhante nome Denominazione di Origine Inventata, o livro ganhou agora uma edição brasileira. Basicamente, ele questiona se diversos pratos clássicos da cozinha italiana vieram mesmo da Itália.
Na verdade não questiona não; nega mesmo. Grandi é pesquisador acadêmico na Universidade de Parma, cidade do glorioso parmesão. Quer dizer, de acordo com o autor, a receita original do parmigiano reggiano, datada do século 13, hoje só é encontrada no Wisconsin (EUA).
Pois é, eu devo confessor que estive em Parma, comi queijo parmigiano e presunto de Parma e não achei nada demais. Lá inclusive eles só chamam de queijo e presunto. Enfim.
O fato é que Grandi sofreu duras represálias na Itália, tão orgulhosa de sua gastronomia. Mesmo assim, lançou um podcast muito popular sobre o tema e fez também um Ted Talk, que você pode ver abaixo (em italiano):
A culpa das mentiras da Nonna é da emigração em massa
Na verdade, As Mentiras da Nonna conta como os italianos são excelentes contadores de história. Grandi explica que as crises econômicas que primeiro levaram à emigração em massa no fim do século 19 e, depois, que incentivaram a criatividade gastronômica no meio do século 20 é que construíram essa mitologia focada em massas e pizzas.
Ele questiona, apropriadamente, como as pessoas acreditam que os italianos sempre comeram bem se é fartamente documentado que quase todo mundo era pobre e passava fome quase o tempo todo na história.
Vale lembrar, também, que a Itália como a conhecemos tem pouco mais de 150 anos. Antes, era tudo dividido, o que se reflete até hoje nas cozinhas regionais. Não faria sentido pedir uma carbonara em Veneza, por exemplo.
Ou faria, de acordo com o autor. O que ele defende é, justamente, que o tradicionalismo é artificial, mais marketing que verdadeiramente parte da história das nonnas.
O carbonara, aliás, é uma das maiores desmistificações do livro. Grandi aponta que ele surgiu com o bacon e o ovo em pó trazidos pelos soldados americanos durante a 2ª Guerra Mundial. Nada mais seria, que o tradicional café da manhã dos Estados Unidos, bacon e ovos, mas com espaguete por baixo.
Só algumas décadas depois passaria a ser feito com pancetta e pecorino. E, ok, nada de creme de leite.
Mesmo o molho de tomate não tem nada de medieval, é claro. Os espanhóis levaram da América para a Europa, e na Itália mesmo só foi se popularizar lá pelo século 18. Então, sinto muito, mas o seu macarrão à bolonhesa aí não é igual ao que os seus antepassados faziam.
Até porque não vai no tomate no molho à bolonhesa.

Será que os garçons italianos também estavam mentindo?
Enquanto lia o livro (que você pode comprar aqui) e sorvia um cafezinho tal qual um italiano que pensa que o café é da Itália, fiquei pensando nas vezes em que fui destratado por garçons do bel paese. Será que foram justos comigo?
A primeira vez foi em Paris, em 2015. Eu e minha senhora encontramos um amiga em um restaurante italiano, cujo dono era um imigrante tardio.
Eu pedi uma massa com frutos do mar, que adoro. O simpático dono, que conhecia a nossa amiga, trouxe o prato todo feliz, mas fechou a cara quando eu pedi queijo ralado. Ainda pedi um inglês, um combo de vacilos.
Ele trouxe, mas reclamou. Em inglês, também, para deixar claro sua decepção. O importante é que aprendi minha lição: só boto parmesão em pasta al mare quando não tem nenhum italiano. Como quase nunca tem…
A segunda vez, e mais marcante, foi em Veneza, em 2019. Tínhamos acabado de casar na Toscana, para completar. Então pensa a minha alegria em comer o prato abaixo no lugar perfeito para isso!
É claro que, dessa vez, eu não ia pedir queijo!
A Manu pediu uma massa com finas fatias de trufa por cima. Só que, quando os pratos chegaram, ela gentilmente solicitou “parmegiano, per favore”. Sem problemas, certo? Ma che!
O garçom respirou fundo. Algo estava errado. Será que ele pensou que era para mim? Mas eu havia aprendido a lição!
Ele chegou então com um potinho de parmesão ralado, colocou na mesa com certa agressividade, e declarou o seguinte:
Gravei em áudio para vocês entenderem melhor o drama. Eu imediatamente respondi, em inglês, pois estava desesperado, “I know, I know, seafood, I’m not gonna put cheese”. O engraçado é que eu também fiz um sotaque meio italiano macarrônico, talvez para conquista simpatia.
A Manu, coitada, teve que assentir. Giuseppe ou Giovanni, sei lá qual era o nome dele, pegou o potinho e levou de volta para a cozinha.
Em 2023, voltamos a Veneza. Outro restaurante, mesmos pedidos. Nada de pedir queijo. Agora, fica a dúvida: será que essa tradição de não colocar parmesão em massa com frutos do mar é de verdade?
Vamos ver se tem algum capítulo no livro As Mentiras da Nonna sobre isso.

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