Por muitos anos, Steve Martin foi, para mim, apenas um ator que fazia comédias insossas, meio família. Eu só olhava as caixas de VHS na locadora por sua estranha aparência, que combinava rosto jovial com cabelos brancos de idoso. Depois eu acabava vendo “O Pai da Noiva” (1 e 2) e “Doze é Demais” (1 e 2) na Sessão da Tarde, mas nada ali me marcava.
Eu gostava bastante de “Três Amigos!” e “Antes só do que mal acompanhado”, mas por causa dos parceiros de cena dele: Martin Short e Chevy Chase no primeiro e o saudoso John Candy no segundo. Assistam, jovens.
Se você for jovem, aliás, deve conhecer Steve Martin só como um dos dois velhinhos que acompanham Selena Gomez em “Only Murders In The Building”. A série da Star Plus o trouxe de volta para o estrelato, digamos assim, e mais uma vez ao lado de seu grande amigo Martin Short. Assistam, não-jovens.

Caso sua percepção sobre ele seja uma dessas duas, sugiro fortemente que veja “STEVE! (martin): documentário em 2 partes” na Apple TV +. O filme é bom demais para ser ignorado.
Quando Steve Martin era o rei do stand-up comedy
Aquela minha percepção sobre Steve Martin mudou quando me tornei um obcecado pela arte do humor. Diria até um estudioso, caso eu gostasse de estudar. Muita coisa que o documentário conta, aliás, eu já sabia, por ter devorado a autobiografia dele, “Nascido para matar… de rir”, lançada em 2008.
O filme é dividido em dois episódios, como diz o título. O primeiro destaca a carreira de stand-up de Steve, que durou toda a década de 1970.
Mais ou menos a partir de 1975, sua performance que evitava punchlines, satirizava o show business e beirava o ridículo passou a lotar estádios por todos os Estados Unidos. A fama foi catapultada por participações antológicas no Saturday Night Live e no Tonight Show, entre outros.

As imagens das turnês são dignas de um rockstar. Pessoas fantasiadas com os apetrechos bobos usados em cena, gritaria e tudo mais. Elas contrastam com as gravações de shows do começo da carreira de Steve, em que tudo parecia dar errado e ele se levava muito a sério.
O documentário, aliás, foca muito na obsessão do comediante por refinar seu material. Mesmo assim, ele sempre se achou um grande sortudo.
Eu nunca vi um show completo do Steve Martin nos anos 70. Entendo o princípio humorístico, mas confesso que não vejo graça nas piadas isoladamente. Então, para entender o fenômento, acho que é preciso ver a apresentação toda.
Era conceitual, ele mesmo dizia.
E por ser conceitual, uma hora todo mundo ia entender e a graça acabaria. Antes disso acontecer, em 1981, ele decidiu encerrar essa etapa. Parou no auge.
O filme dá a entender que Steve não aguentava mais a persona maluca e a solidão das turnês. O principal, porém, era focar no que sempre quis fazer: escrever e atuar em filmes.
A virada sensível da segunda parte do documentário
E os filmes abrem a segunda parte do documentário. Os sucessos e fracassos se alternam, fazendo com que Steve revele inseguranças e frustrações.
A estrutura do segundo episódio é mais interessante, com entrevistas de amigos, da atual esposa e do próprio Steve Martin. E também prende mais por conectar sua arte com a biografia do comediante.
Mostra, por exemplo, como a solidão e a vontade de encontrar alguém para amar virou tema de filmes por ser algo que ele vivia. Mesmo no auge da fama, Steve queria a intimidade de um grande amor. O sentimento acabava se transformando em personagens de seus filmes do meio dos anos 80 para frente, como o Cyrano de Bergerac moderno de “Roxanne” (abaixo).

A relação com o pai também é bem explorada, com muita emoção. O senhor Martin sonhava em ser uma estrela, mas (ou por isso) não sabia estimular o filho, o que levou a uma frieza mútua por décadas. Apenas no fim da vida de seu pai, Steve buscou se reconectar e compreender o homem por trás da figura que o magoava.
Quase todo comediante diz que o humor vem da dor. A dele era essa.
Outro grande momento da reta final do documentário é a criação do show com Martin Short. Foi o retorno de Steve ao stand-up após 35 anos, e gerou o especial da Netflix “Steve Martin and Martin Short: An Evening You Will Forget for the Rest of Your Life”. É hilário, então assistam, jovens e não-jovens.
Eu curti ver o processo criativo dos dois humoristas, sugerindo piadas um para o outro. Quando não gostavam, zoavam-se inclementemente, assim como fazem no especial e em entrevistas em geral.
“Be so good they can’t ignore you”
O documentário ainda aborda as paixões de Steve Martin pelo banjo e pelas pinturas. O comediante é um ávido colecionador de arte, algo que manteve em segredo por muitos anos.
Esse seu lado só aflorou por estímulo de sua esposa e grande amor, que ele finalmente encontrou, Anne Stringfield. A história de como se conheceram é bem bonitinha e está no filme. O casal tem uma filha de 11 anos, cuja privacidade é muito protegida. Ela aparece sob o formato de um desenho, apenas.
São muito legais as intervenções de cartuns durante os dois episódios, criadas em parceria por Steve e um desenhista. Eles estão, inclusive, produzindo um livro juntos sobre a carreira cinematográfica do humorista.
Numa nota pessoal, porém, faltou a frase “Be so good they can’t ignore you” no documentário.
Explico: ela foi dita por Steve Martin numa entrevista, quando perguntado qual conselho daria a um jovem artista que quer se destacar. Muitos anos depois, ela virou o lema de algumas edições do RD Summit, evento da RD Station, empresa de software em que trabalhei entre 2017 e 2023.
E virou lema também de muita gente na empresa e no mercado de tecnologia, marketing e vendas. Embora internamente e nos vídeos do evento Steve sempre tenha sido creditado, eu sempre achei engraçado que nem todo mundo faz a conexão entre essa frase motivacional (que aliás é bem melhor que coisas como “seja foda”) e aquele ator de cabelo branco da Sessão da Tarde.
Acho que Steve também acharia divertida essa sua influência na comunidade empreendedora brasileira. Ou talvez, sei lá, eu seja um pouco cricri.
O que importa é que o alcance do humor é realmente notável.
– Leia também:
Deixe um comentário