Li quase que de uma sentada só “Tudo passará”, biografia do cantor Nelson Ned escrita pelo jornalista André Barcinski e lançada em 2023. É uma história de vida impressionante e surpreendente, que em momento algum provoca pena ou tristeza. Não se trata de um personagem trágico.
Muito pelo contrário, aliás. O Pequeno Gigante da Canção, como era conhecido, viveu uma vida bem doida, que contrasta com a imagem que eu tinha dele: a de cantor e pregador religioso, que foi como o conheci na televisão nos anos 90. Nelson Ned vendeu milhões de discos românticos e arrastava multidões em seus shows em toda a América Latina, na África, nos Estados Unidos e na Europa.
Ele também vendeu milhões de discos no Brasil nos anos 60, 70 e 80, mesmo com a má vontade da imprensa especializada. Vendia muito mais que Caetano Veloso, Chico Buarque e a turma da MPB, mas recebia apenas uma fração do espaço na mídia que esses medalhões recebiam. É raro, mas acontece muito até hoje.
Como Nelson Ned respondeu? Fazendo ainda mais sucesso pelo mundo, curtindo a vida adoidado e, de vez em quando, xingando os desafetos em entrevistas.

Nelson Ned não se deixava definir pelo nanismo
Seria equivocado dizer que o nanismo não afetou Nelson Ned, pois ele sofreu com problemas de saúde decorrentes da sua condição. Desde cedo, porém, sua mãe decidiu que ele não seria definido por ser um anão e que não faria muitas adaptações em sua vida, estimulando-o a enfrentar tudo de peito aberto.
“Vou criar meu filho para o mundo, e não um mundo para o meu filho”, dizia a Dona Ned. Sim, esse era da mãe dele, enquanto o nome do pai era Nelson.
E o seu começo de carreira se deu no tempo tempos de música no rádio, em que as pessoas — principalmente as mais pobres que eram o público de Nelson Ned — não tinham acesso fácil a imagens dos artistas.
Então imagine você a surpresa do público quando via, pela primeira vez, a figura diminuta que era dona daquele vozeirão de Tudo passará e Tamanho não é documento. Ficava todo mundo maravilhado.
Para quem, como eu, nunca tinha prestado atenção na história e no incrível sucesso do cantor, o nanismo de fato o definia. É muito fácil ridicularizar o diferente e o inusitado, e um anão cantando com uma voz gigantesca torna isso ainda mais simples.
Azar o meu, que demorei a conhecer um personagem fantástico.
Uma vida vivida ao máximo, e mais um pouco
A imagem que eu tinha de Nelson Ned mudou justamente por causa do autor da biografia. André Barcinski é um pesquisador de primeira sobre música e cultura, além de ser realmente apaixonado pela vida e obra do Pequeno Gigante da Canção.
Ele deixou isso claro por anos em seu Twitter, divulgando imagens e contando algumas histórias do cantor enquanto trabalhava na produção do livro — até bem antes, acho. E eu sigo o André há muito tempo por lá.
Assim, aos poucos fui descobrindo que Nelson Ned foi uma máquina extremamente popular de hits por quase 3 décadas. E que era o ídolo do escritor Gabriel García Marquez, dos Menudos e de milhões de pessoas.
E, também, que ficou milionário e pôde financiar uma vida de excessos tóxicos, sexuais e etílicos que muito provavelmente supera as de Keith Richards, Ozzy Osbourne e de toda geração hair metal dos anos 80 somadas. Proporcionalmente, é claro.
O livro tem histórias divertidíssimas de farras na noite e em hotéis de todo mundo. Lembre-se que o biografado foi muito popular em locais como Colômbia, México, Bolívia e toda a América Central nos anos 70 e 80. Nelson Ned certamente cheiro seu peso em cocaína muitas e muitas vezes.
A bad vibe pegava Nelson Ned de jeito, e ele fazia render
Mesmo assim, a melancolia era a marca de suas canções. Ele se apaixonava com facilidade, intensamente, e sofria muito com as rejeições, transformando-as em poesias e melodias muito tristes. E elas vendiam horrores de discos, fechando um ciclo tão usual da arte.
Encerro esse post com uma citação dele próprio na biografia que, para mim, resume bem Nelson Ned em vários aspectos, incluindo sua arte, suas crenças e seu invejável bom humor.
“Essas mulheres todas foram a grande fonte de inspiração para eu compor. A Bíblia diz que, se você não apertar a uva, não vai sair o vinho. E Deus permitiu que eu conhecesse essas mulheres, para que fosse despertada em mim a veia de compositor.
Eu não creio em criação sem sofrimento, eu não creio em arte sem sofrimento. A arte é produto do sofrimento, ela é filha do sofrimento. Tem uma frase em francês, num livro que eu estava lendo, que diz: ‘O sofrimento é o mestre do homem’. No meu caso, a música sempre foi consequência de uma causa, que foi a dor. E a dor vende, a tristeza vende.
Muitos compositores fazem músicas tristes: Roberto Carlos, Antônio Marcos, todo mundo era triste. Explorar a tristeza era tremendamente comercial. O Roberto Carlos, com aquele olhar triste, aquela carinha, aquele olho de peixe morto, sempre foi um devasso, um sacana, um tremendo comedor”.
Recomendo muito “Tudo Passará: A vida de Nelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção”. É uma leitura agradável, divertida e surpreendente. Mesmo que tenha sido um trabalho com muita paixão, o autor André Barcinski transformou toda a sua pesquisa em um texto direto e sem lamúrias, deixando que a obra do cantor falasse (ou declamasse) por si só.
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