A cabana de Monet e outros lugares imaginários em que eu queria viver

A exposição “A Ecologia de Monet” bateu o recorde de público da história do MASP. Por isso, foi estendida até o dia 6 de setembro, duas semanas a mais que o previsto. Se você não é uma das mais de 400 mil pessoas que já visitaram a mostra, recomendo fortemente que passe por lá.

Eu fui três vezes, inclusive na abertura. Sou Amigo MASP, então fica mais fácil e barato, como contei no post “Uma noite no Museu… de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand”.

A exposição, em cartaz desde 16 de maio, traz 32 pinturas de diversos momentos da carreira de Claude Monet, cobrindo desde a década de 1870 até 1920. Só duas delas são do acervo do MASP, e a maioria nunca tinha vindo ao hemisfério sul. Assim, você só tem uma semana para ficar frente a frente com as outras 30 obras do impressionista francês.

Uma dessas que vai embora me marcou muito. Ela se chama “La Cabane de Douanier”, ou “A Cabana da Alfândega”, e foi pintada em 1882 durante as andanças do artista pelas praias e falésias da Normandia, na França. É esta aqui abaixo:

A pintura faz parte do acervo do Fogg, um dos museus da universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que a empresou ao MASP. Portanto, se depois de ler este post você quiser vê-la de perto, vai ter que se agilizar.

Eu queria morar nessa cabana do Monet (e em outros locais estranhos)

O quadro em si não é dos mais impressionantes, com o perdão do trocadilho. O mestre impressionista pintou quadros com muito mais detalhes e movimentos. Há, inclusive, outra pintura mais famosa da casa de alfândega de Varengeville-sur-Mer feita por ele.

Mas a força do vento sobre o mar e a vegetação que cobre a falésia está registrada nas pinceladas do velho Claude. Quer dizer, ele tinha a minha idade quando pintou essa série na Normandia: 42 anos. Talvez fosse velho de alma, como eu.

O que me leva ao motivo de eu ter gostado dessa cabana: eu olhei para esse negócio aí e pensei “nossa, eu moraria fácil nesse lugar”.

Não é nada racional, evidentemente. É claro que seria um pouco complicado morar em um casebre que provavelmente nem banheiro tem. E a questão temporal também dificulta, já que, cerca de 60 anos depois do registro feito por Monet, os nazistas devem ter colocado um bunker no lugar dele durante a ocupação da França na 2ª Guerra Mundial.

Bunkers definitivamente não me atraem. Porém, outros lugares pitorescos retratados em obras de arte despertaram em mim, nos últimos tempos, o mesmo sentimento da cabana impressionista. Veja se você percebe algum padrão:

1. A casa do filme “Os Banshees de Inisherin”

casa de brendan gleeson banshees of inisherin

O filme “Os Banshees de Inisherin” (2022) é uma obra de arte. Como se trata de cinema, porém, é importante esclarecer que nem por isso é chato, pretensioso ou incompreensível.

Ele se passa em 1923 e conta a história de um amigo (Brendan Gleeson) que decide parar de falar com outro (Colin Farrell) após décadas, sem maiores explicações. O problema é que ambos vivem em um vilarejo minúsculo do litoral da Irlanda, que só tem um único pub e uma igreja como oportunidades de integração social.

E ambos habitam moradas que, bem, eram condizentes com o padrão de locais remotos da Irlanda em 1923. Certamente também não tinha banheiro. E eu olhei para aquela casa ali em cima, do personagem de Gleeson, e pensei “nossa, eu moraria fácil nesse lugar”.

Talvez vendo o filme, disponível no Disney+, você entenda. Ou me ache louco. De qualquer forma, veja, por que é muito bom.

2. A casa da piscina da Vila Relicário, em Ouro Preto

    O post mais recente deste blog é sobre a minha viagem para Ouro Preto. Fiquei maravilhado com a cidade, mas não bateu aquela coisa de querer morar ali. Não dá, tem muita ladeira.

    Por outro lado, acho que pode ser uma boa mandar um eventual futuro filho estudar por lá e montar pouso em uma das várias repúblicas universitárias. Seria bom para o guri, ao invés de ficar morando com os pais até os 28 anos, como fez o folgado do pai dele.

    Estranhamente, porém, bateu uma inexplicável vontade de tomar posse de uma casinha na Vila Relicário, local que eu menciono no final do texto. É essa cabana ali no cantinho esquerdo da foto abaixo, com essa piscina espetacular – à qual eu nem precisaria ter acesso – ao lado.

    Vila Relicário - Ouro Preto

    Porque espetacular mesmo é essa vista da serra de Ouro Preto, ali ao fundo. Pensa só passar um cafezinho, assar um pão de queijo e sentar do lado de fora ouvindo só o vento e vendo o sol se pôr desse jeito todos os dias. E pra que banheiro com esse mato todo? Pensa!

    “Ah, mas você falou que eram lugares em obras de arte, Bruno, e isso fica em um hotel”, você poderia dizer. E eu responderia “sério, cara, olha essa foto e para de se preocupar com detalhes técnicos… eu moraria fácil nesse lugar”.

    Essas vontades querem dizer alguma coisa?

    O significado parece óbvio em um primeiro olhar: eu quero jogar tudo para cima, deixar todo mundo para trás e viver isolado em lugares inóspitos. Algumas decisões recentes minhas inclusive reforçam essa impressão.

    Por outro lado, refletindo sobre o que essas vontades de morar numa pintura de Monet, num filme irlandês ou na provável casa das máquinas de uma piscina de hotel em Minas Gerais, lembrei da primeira vez que senti isso. Foi na pandemia, quando estava todo mundo de fato isolado.

    Estávamos apenas eu e minha senhora no apartamento da minha família na praia dos Ingleses, em Florianópolis. Íamos para lá semana sim semana não em 2020 e 2021, ficando sempre de quarta à noite até domingo. Apesar de tudo o que estava acontecendo, eu me sentia muito feliz naqueles dias.

    Sentávamos na sacada olhando o mar, com a praia completamente vazia, fazendo um churrasquinho com as linguiças da saudosa Oinc e ouvindo uma playlist com músicas de violão, que se misturava ao barulho das ondas estourando. A vista era essa:

    Vista da praia dos Ingleses, em Florianópolis
    Gostou da vista? O apartamento está à venda (vídeo aqui)

    Fazíamos planos para quando aquilo tudo passasse, mesmo ainda com medo de que aquilo tudo não passasse. Quando batia o frio, a Manu ficava embaixo das cobertas na sala, enquanto eu pilotava a churrasqueira.

    O mundo estava de cabeça para baixo e, mesmo assim, o sentimento que me tomava, olhando para ela ali logo ao lado, era de que “eu moraria fácil para sempre nesse lugar e nesse momento”. 

    Então não, não quero deixar todo mundo para trás.

    O sentimento que eu busco talvez seja de desconexão

    Acho que, no fim das contas, esses locais me remetem a desconexão. Os dias nos Ingleses, embora a gente trabalhasse remotamente de lá, significavam isso para mim. Parecia que a gente estava alheio e alienado de um mundo em caos.

    Como aquilo tudo passou, mas o mundo segue mergulhado no caos, talvez eu queira me desligar. Ficar só olhando para o mar ou para o mato, tomando um cafezinho com alguém que eu amo.

    O segredo está em entender que esses lugares existem, ou seja, que não precisam estar em um quadro do século 19 do Monet ou em um filme que retrata o começo do século 20 na Irlanda. A casa da piscina, inclusive, está lá no hotel que pode ser reservado. É bem carinho, mas é possível.

    Talvez baste desligar o celular por um tempo, deslogar das redes sociais ou entender que esse caos todo me afeta, mas que não tenho grandes poderes para fazer nada sobre ele. Essa ilusão de que todos somos agentes políticos e podemos fazer a diferença com um post, uma tuitada e um compartilhamento de story no Instagram é uma das grandes chagas da modernidade e afeta muita gente. Eu me incluo nessa, mas acho que melhorei.

    De qualquer forma, vá ver a exposição do Monet no MASP enquanto dá tempo. Acredito, cada vez mais ultimamente, que paraísos mentais surgem quando nos expomos a arte que normalmente ignoramos e a lugares a que não iríamos.

    Olha eu aí bem feliz com a minha casinha na Normandia.

    Eu na exposição do Monet no MASP

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    Comentários

    6 respostas para “A cabana de Monet e outros lugares imaginários em que eu queria viver”

    1. Avatar de Claudia Volpato Andrade
      Claudia Volpato Andrade

      Amei, Bru. Viajei na viagem dos paraísos mentais, da desconexão do caos, e do desejo de parar o tempo nos momentos “perfeitos” da vida. Te amo. Muito.

    2. Avatar de Luiz
      Luiz

      Texto maravilhoso, como sempre. O autor se expôs na medida certa e me fez refletir se quero o mesmo, se tais paraísos também teriam o mesmo efeito sobre mim.
      Parabéns, meu amigo.

      1. Avatar de Bruno Volpato

        Grande Alemão, obrigado pelas palavras sempre gentis!

    3. Avatar de Eduardo Nicolazzi
      Eduardo Nicolazzi

      Legal Bruno!!!

    4. Avatar de Joice Balboa
      Joice Balboa

      Muito bom Volpato! Compartilho muito o sentimento de querer me desconectar desse caos – que me parece infinito.

      É bem sobre “Ficar só olhando para o mar ou para o mato, tomando um cafezinho com alguém que eu amo.”

      Não precisa de mais nada, não é mesmo?

      1. Avatar de Bruno Volpato

        Pois é, cada vez mais fica claro que o caos permanece, só muda de intensidade. E a resposta parece ser cuidar de quem a gente ama mesmo. Abraço, Joice, e obrigado pelo comentário! 🙂

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