“F1: O Filme”: uma dose de suspensão de descrença misturada a um splash and go de realismo

Livros na Amazon com desconto

A forma como o espectador reage ao acidente que aparece logo nos primeiros minutos de “F1: O Filme” meio que define como ele vai encarar o resto da história. São cinco itens para você marcar, em caso positivo, quando assistir à cena:

  1. Você sabe que é baseado em uma batida real
  2. Você sabe o nome do piloto real que bateu
  3. Você reconhece qual equipe era aquela
  4. Não apenas sabe em que ano foi, como sabe onde
  5. Sabe também que o carro que aparece ao lado não estava ali na verdade

Ter conhecimento sobre esse incidente específico, que envolveu um piloto irrelevante da história da Fórmula 1 há mais de 30 anos, indica que você tem uma certa obsessão pela categoria. Eu, por exemplo, sabia de tudo aquilo ali em cima.

Por isso, fiquei no cinema meio naquela vibe de tiozinho que assiste a um filme de super herói e fica bravo o com as cenas impossíveis. “Ah lá a mentirada de novo!”, ou algo assim.

Confira o trailer:

Suspensão da descrença é fundamental para o fã de F1

A premissa básica de “F1: O Filme” já exige que se abra mão de qualquer compromisso com o realismo. Sonny Hayes, personagem vivido por Brad Pitt, é um piloto americano que é chamado para voltar a correr na categoria com mais de 50 anos de idade. Ou até mais de 60, que é o caso do ator na vida real.

Não sei o que é mais irreal: ele ser velho ou ser um americano na F1.

Hayes é convidado a voltar para salvar a pior equipe do grid, também americana, da falência. Para isso, precisa nada mais nada menos do que vencer uma corrida até o fim da temporada. É um negócio completamente impossível na Fórmula 1 não apenas de hoje, mas desde sempre.

Seria algo como se a Haas, pior equipe do grid e americana, chamasse Rubens Barrichello hoje, aos 53 anos de idade, para salvá-la da falência ganhando uma corrida. Não rola.

Eu sabia de tudo isso antes de ir ao cinema. Sabia que seria necessária a famigerada suspensão de descrença para curtir as mais de duas horas e meia do filme. E tá tudo certo, é um acordo comum entre o espectador e a telona.

Mas pô, precisava fazer o cara andar no mesmo segundo do companheiro de equipe jovem, já no primeiro teste, depois de mais de 30 anos sem entrar num carro de F1? 

Eu sei, eu sei, ninguém se importa, é só um filme.

E é bom esse filme da Fórmula 1?

E, de fato, é só um filme. Um bom filme. Pilotos que estão atualmente na categoria, como Carlos Sainz e Nico Hulkenberg, falaram isso também: para os fãs aproveitarem a “versão hollywoodiana” da F1, sem ligar muito para o realismo.

Os caras têm razão, é claro. As imagens são impactantes, contando com a expertise de Joseph Kosinski, diretor de “Top Gun: Maverick”. Ambas as produções impressionam com o uso de efeitos especiais práticos, ou seja, realmente feitos com o uso de câmeras. Com microcâmeras instaladas nos carros e nos aviões, nesses casos específicos.

F1 O FILME
As imagens de F1: O Filme são realmente imrpessionantes

E o sessentão Brad Pitt e seu companheiro de equipe no filme, Damson Idris, realmente dirigiram um carro de Fórmula 2 adaptado em muitas das cenas. Pontos para eles.

“F1: O Filme” traz ainda algumas cenas legais em circuitos clássicos e easter eggs para os fãs da categoria, incluindo referências a Ayrton Senna. A sede da fictícia equipe APX, aliás, é na verdade o prédio da lendária equipe McLaren na vida real. E eu acho que o final do filme tem um acerto de contas de Lewis Hamilton, que é produtor do filme, com a polêmica da decisão do título da temporada de 2021.

Você não sabe do que estou falando? Ah, pois é, quem manda não ser fã de Fórmula 1.

>> Leia também: A morte de Ayrton Senna sob a perspectiva de uma criança de 11 anos

História e personagens

Continuando com a minha ranzinzice, achei os personagens fracos. A história de Sonny Hayes é um clichê do cinema e só se salva pelo charme de Brad Pitt: o velho caubói que retorna para enfrentar seus velhos fantasmas e salvar seus amigos, com direito a um antagonista mais jovem.

Esse último é Joshua Pearce, um novato que está tentando fazer seu nome na Fórmula 1 e vê a chegada de Sonny como uma ameaça. O ator Damson Idris entregou o que o papel pedia, mas saí achando que lhe pediram pouca coisa. Pearce é muito errático, com escolhas de motivação erradas por parte dos roteiristas.

Ao mesmo tempo em que tem a ambição dos grandes pilotos, o jovem mostra uma arrogância que destoa do tipo habitual da categoria. Achei que ele parecia ter a prepotência de um piloto americano meio caipira de Nascar, mas na pele de um inglês. Não combinou.

E a presença da mãe dele como conselheira e protetora constante faz bastante sentido hollywoodiano, mas não tem nada a ver com a Fórmula 1. Tanto que, tradicionalmente, a figura do “pai de piloto” é a “mãe de miss” do automobilismo.

A melhor personagem é a engenheira-chefe da APX, vivida pela excelente atriz irlandesa Kerry Condon (do maravilhoso “Os Banshees de Inisherin”). Com motivações claras e estocadas divertidas nos dois pilotos, ela se sobressai entre o elenco de apoio. E, nesse caso, não é irreal: a estrategista-chefe da multicampeã equipe Red Bull, por exemplo, é uma mulher.

Alguns acertos técnicos de F1

Um aspecto que me surpreendeu foram as várias situações e cenas que mostram claramente a importância das estratégias de pneus na Fórmula 1 atual. É um assunto chato até para quem gosta de ver as corridas, mas que a gente sabe que é fundamental para entender a dinâmica delas.

Falando em dinâmica, a aerodinâmica também cumpre um papel vital no roteiro, assim como o faz nos carros da vida real. Acho que foi uma forma legal de apresentar essa parte técnica para um público mais amplo.

Talvez o que tenha me incomodado no filme é esse negócio de ter ficado no meio do caminho entre o realismo e o absurdo. O acidente mais inacreditável do filme, que mais vai fazer as pessoas reagirem com “ah lá a mentirada de novo”, é baseado em dois acidentes horríveis da vida real.

Então, eu saí da sessão refletindo que tinha dado meu ok para tomar um porre total de suspensão descrença, mas que “F1: O Filme” não aproveitou a minha concessão. Senti-me traído com essa dose de realismo.

Mas se você é chato como eu e está se perguntando se deve ir ver, deixe de ser chato e vá ver. É bem massa! E se você não é como eu e é uma pessoa normal, aí sim que deve ir ver, já que não vai ficar de ranzinzice com um filme de Hollywood.

Ah, e o acidente lá da abertura do texto aconteceu com o inglês Martin Donnelly, da Lotus, no circuito de Jerez de la Frontera, na Espanha, em 1990. E, não, o Senna não estava passando do lado dele na hora da batida.

– Leia também:

– Compartilhe:
Receba os posts toda semana

Publicado

em

por

Tags:

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.