Minha mãe não guarda mais memórias recentes, por causa do Alzheimer. Isso já tem pelo menos uns 5 anos. Ela não sabe que eu moro em São Paulo, por exemplo, mas ainda não se esqueceu de ninguém da família.
Muitos outros traços da personalidade dela se perderam. Algo que não sumiu é o amor incondicional pelo marido e os filhos.
O que fica, afinal e no final, é o amor.
Na semana passada, minha mãe completou 80 anos. Eu e grande parte da família pudemos passar dias muito agradáveis com ela. E também com esse cara na foto abaixo, de quem falarei mais adiante.

“É só dizer que é pra mim, ué”
Para entender a minha mãe, seria preciso contar a história dela. Eu não vou fazer isso. Apenas saiba que tudo o que ela diz e faz, ainda mais hoje, é plenamente compreensível e justificável.
O amor incondicional, por exemplo, sempre foi demonstrado do jeitinho dela. Com a idade, eu aprendi a interpretar melhor.
Amar, para a minha mãe, é cuidar. Quando ainda tinha condições físicas, cuidava do meu pai, cuidava dos filhos e até dos irmãos, sobrinhos e de muito mais. E cuidava da casa, da cozinha, da roupa, das mudanças, da contabilidade e, também, de muito mais.
Era a forma dela de amar a gente. Como eu disse, tem história, e eu entendo.
E esse cuidar continua muito forte. Meu pai também está com a saúde bem fragilizada, o que faz com que a minha mãe se preocupe. No aniversário, ele foi dormir cedo, exausto, enquanto ela ficou com a gente na sala.
Minha mãe não consegue mais manter um diálogo, já que esquece o que foi dito em questão de segundos. Quando ela não precisa falar, porém, fica ligadíssima na conversa dos outros, muito concentrada, sem demonstrar qualquer esforço. A audição e a visão, aliás, estão perfeitas.
Foi o caso de uma conversa dos filhos naquela noite. Confabulávamos alguma forma de convencer meu pai a permitir a instalação de corrimãos no corredor do apartamento, para auxiliar na mobilidade. Ele já negou algumas vezes.
Batíamos cabeça sobre as possibilidades, quando, do nada, a minha mãe solta uma frase definitiva depois de muitos minutos quietinha e super atenta:
“É só dizer que é pra mim, ué…”
Ela faria qualquer coisa para o bem dele. E sabe que ela é a única justificativa que ainda importa para ele, também para qualquer coisa. Isso é amor.
Minha mãe e o meu velho ursinho Blau-Blau
Eu fui temporão. Nasci quando minha mãe já tinha 38 anos, meu pai 43 e meus irmãos 17, 15 e 12. Ela garante que eu fui desejado e não um acidente. E, hoje, eu acredito.
Você já deve estar imaginando o quanto eu fui mimado e superprotegido. De novo, tem muita história por trás e eu entendo. E, para completar, morei com a mãe e o pai até quase os 30 anos. Apenas aprenda comigo e não me julgue, ok? Obrigado.
E pela perda gradual da memória, a minha mãe deve sentir que eu saí há pouco tempo de casa. Sou o tal do último a deixar o ninho, embora a saudade seja igual de todos os quatro filhos.
Em uma visita a Floripa no ano passado, encontrei meu velho ursinho Blau-Blau, aquele da foto ali em cima, no meu antigo armário. Acredito que ele tenha chegado quando eu tinha 1 ou 2 anos, então Blau-Blau também já tem seus 40 anos. Um jovem senhor, como eu.
O bichinho ganhou um banho e eu levei para mostrar para a mãe na sala, seu local preferido da casa para ver TV. Ela sorriu e o colocou ao seu lado, no sofá. E nunca mais tirou.
O Blau-Blau é o companheiro de televisão da minha mãe agora. De vez em quando, ajeita o ursinho, bota uma almofada para ele ficar mais confortável. Um dia, conta uma das cuidadoras, o meu pai foi chegar ele para o lado para se sentar no sofá.
“Deixa o Blau-Blau aí, que ele é do Bruno”, disse a minha mãe.
Eu acho que estou lá com ela, todos os dias, de certa forma. E que ela está cuidando de mim, para sempre. Isso é amor.
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