Poucas vezes alguém foi tão preciso na descrição do que é o sentimento de saudosismo da juventude quanto o jornalista e filósofo contemporâneo Marcelo Daniel, neste tuíte de 2016 abaixo:
Marcelo é uma verdadeira gema do Twitter nacional e você deve segui-lo lá imediatamente. Ele ainda é responsável pela comovente página Homem Benigno no Facebook, em que conta histórias e preserva a memória de sua querida cidade natal de Pirajuí, no interior de São Paulo.
Enfim, se você não curte “Mr. Brightside” ou a banda The Killers, troque para algum som que te fazia se sentir assim. Se você não tem problemas com a calvície, eu espero que seja grato por isso.
Indie dos anos 2000: era bom e a gente sabia
Lembrei desse brilhante aforismo do Marcelo na semana passada, quando publiquei fotos de alguns discos indies da safra dos anos 2000 no meu perfil do Instagram.
Eram da minha coleção de CDs, que ficaram na casa da minha mãe em Floripa. Não os jogarei fora porque não acredito na perenidade dos streamings, mas isso é papo para outra hora.
Meus seguidores mandaram curtidas, foguinhos e comentários entusiasmados. Uma amiga respondeu “olhei rápido e achei que eu que tinha postado”. Outro amigo gaúcho foi mais sucinto, mandando um “baaaaaaaah”.
Para contextualizar, juntei as duas fotos em uma só abaixo:

Os discos, por enquanto, podem ser ouvidos no Spotify:
- Arctic Monkeys – Humbug
- Razorlight – Razorlight
- Arcade Fire – Funeral
- Bloc Party – Silent Alarm
- Kaiser Chiefs – Employement
- Franz Ferdinand – You Could Have It So Much Better
- The Libertines – Up The Bracket
- Kasabian – Kasabian
- The Strokes – Is This It
- The Killers – Hot Fuss
- Arctic Monkeys – Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not
- Franz Ferdinand – Franz Ferdinand
As reações dos amigos me lembraram de quando eu era invencível, com mais cabelo e com um jato de urina forte, mas principalmente de quando botava som nas festinhas e a galera curtia.
Logo eu me liguei, porém, que o que meus seguimores estavam achando legal eram os CDs. A mídia física, no caso.
Todos esses discos foram lançados entre 2001 e 2006, quando pessoas normais e diferentes de mim já não pagavam mais por música. Elas usavam Napster, Kazaa e Limewire, criando bibliotecas de MP3 em seus computadores. Porém, ficavam sem as caixinhas, os livretos e o próprio CD! Chorem, otários!
Brinks, eu parei logo depois de comprar também, infelizmente. Aliás, se você quiser saber (ou relembrar) como isso tudo aconteceu, leia o ótimo livro Como a música ficou grátis.
CD é o novo vinil, de novo
Com a retomada do vinil como um formato comercial viável, mesmo que seja de nicho, o CD velho agora tem a aura de um contato com o passado.
Eu olhava fascinado para os vinis do meu irmão, adquiridos entre o final dos anos 70 e o fim dos anos 80. A graça estava em eles seres originais da época, mais ou menos como esses meus disquinhos digitais da turma indie.
Ou seja, os discos que provocam lembranças boas na galera de mais de 35 anos estão em formato de CD, provavelmente com caixa de acrílico quebrada.
Essa geração de grupos pós-Strokes, aliás, foi a única que eu acompanhei “em tempo real”. O grunge eu era novo demais para absorver, tinha só 9 anos quando surgiu. E é engraçado que algumas bandas eu até ouvia na época que lançavam coisas, mesmo sendo criança, como as baladas do Guns N’ Roses entre 1989 e 1991 — os rocks mais pesados deles eu só fui ouvir anos depois.
Só que durante a adolescência eu basicamente ouvia rock clássico e coisas mais pop dos anos 80. Imaginem como eu era popular no colégio…
Assim, de fato, “Mr. Brightside”, que explodiu no fim de 2005, me remete a uma época em que eu me sentia invencível, com mais cabelo e com o jato de urina forte. Ironicamente, trata-se do maior hino indie da dor de cotovelo, uma verdadeira sofrência de corno com sotaque britânico falso de Las Vegas.
Falando em ser jovem, eu estava bem na frente do palco na performance abaixo de 2007, em Curitiba, e é bem provável que o meu cabeção apareça no vídeo. Como eu tinha mais cabelo, não é possível me reconhecer.
Mr. Brightside já é um clássico do rock?
Quando eu gravei “Stairway to Heaven” numa fitinha cassete, diretamente do LP do Led Zeppelin do meu irmão, o sentimento era de estar em um mundo sagrado do rock n’ roll, quase que como um ritual de passagem e aceitação por parte dos cabeludos. Eu e meu irmão somos calvos, mas ok.
Esse ritual quase satânico foi em 1991, 20 anos após o lançamento da canção. “Mr. Brightside”, por sua vez completa 20 anos agora em junho, já que está no álbum de estreia do Killers, “Hot Fuss”, de 2004.
E aí, já dá para chamar de clássico? Eu acho que sim. Se você discorda, saiba que é a música mais ouvida na história do Spotify do Reino Unido. Sim, no país dos Beatles, dos Rolling Stones e do Led Zeppelin.
Tive a chance de ver o Killers ao vivo novamente no fim do ano passado, na primeira noite do Primavera Sound de São Paulo. O show começou com “Mr. Brightside”, provocando uma catarse coletiva entre pessoas de todas as idades na plateia. Até jovens entraram na sofrência, veja só.
Talvez eu fosse o mais velho entre os que estavam nas primeiras fileiras em frente ao palco. Posso dizer que me senti novamente invencível, abraçando a minha esposa. Com menos cabelo, também, mas é o caminho natural da vida.
Sobre o jato de urina, bem, eu não bebi quase nada justamente para evitar ter que ir no banheiro várias vezes durante o show. Faz parte.
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