Eu costumo brincar que sou um gaúcho não praticante, quando me perguntam onde foi que nasci. Antes que a pessoa ache que se trata de uma referência a piadas de gaúcho (aquelas, não tem?), já emendo que não tomo chimarrão, não uso bombacha, nunca andei a cavalo, não toco sanfona*… essas coisas.
E, finalizo deixando claro que só o que ficou foi o gremismo.
Agora, com tudo que está acontecendo no Rio Grande do Sul, terei que incluir mais itens na lista de coisas que me distanciam do lugar em que nasci.
Nunca nadei em águas turvas para salvar um desconhecido. Nunca peguei um barco para resgatar pessoas à noite. Não dividi a pouca comida que tenho com um vizinho que não tem nada. Nunca lutei pela minha vida e dos meus filhos até o último momento no teto de um carro. Nunca precisei reconstruir minha casa, meu mercadinho ou meu sítio.
Tem mais: nunca organizei uma campanha virtual que arrecadou milhões de reais para reconstruir meu estado. Nunca passei a madrugada em um cordão humano transportando galões de água de um lado para o outro. Também nunca me importei com a minha comunidade como os gaúchos se importam. Nunca senti uma dor desse tamanho e consegui seguir em frente.
Pois é: eu sou um gaúcho não praticante.
Como nasce um gaúcho não praticante
Eu nasci em Porto Alegre, mas em uma família de catarinenses. Além disso, com menos de um ano de idade, fui morar em Londrina, no Paraná. Aos 9, fui para Florianópolis, onde passei os 30 anos seguintes e, aí sim, criei raízes.
A carreira bancária do meu pai levou a minha família a muitas cidades, mas eu peguei apenas essas duas mudanças. E a primeira, obviamente, eu nem senti. Meus irmãos deram menos sorte e pegaram umas seis ou sete.
É por isso, e apenas por isso, que nunca tive uma identidade gaúcha.
Isso só mudou aqui em São Paulo, quando digo que vim de Floripa e muita gente responde algo como “ah, legal, então você é gaúcho, mêo”.
E o curioso é que meus irmãos, que são catarinenses, têm muito mais conexão com Porto Alegre e o Rio Grande do Sul que eu, gaúcho. Eles moraram cerca de três anos por lá, então têm amigos e mantêm contatos no sul.
Eu tenho amigos gaúchos também, muitos deles queridos e bem especiais, mas conheci todos já em Florianópolis. É muita gente boa mesmo, que conheci na faculdade e na vida profissional, e que está sofrendo à distância e tentando ajudar parentes.
Minha tristeza pela situação, mais uma vez, nem se compara à deles. É através de postagens deles nas redes sociais, aliás, que tenho encontrado formas de colaborar. Vários estão, inclusive, mobilizando entregas de mantimentos.
Aliás, se você não quiser continuar lendo o post e puder fazer uma doação, aqui abaixo tem links confiáveis:
- Pix do Governo do Estado do Rio Grande do Sul
- Vakinha do Instituto Vakinha, Badin e Pretinho Básico
- Instituto Caldeira
- Doe água potável (principalmente) e outros itens nos Correios
Que venham novas façanhas para servirem de modelo a toda Terra
A primeira vez que ouvi o hino do Rio Grande do Sul foi no Estádio Olímpico, em 2007, na final da Copa Libertadores entre Grêmio e Boca Juniors. Trata-se, também, do primeiro e único jogo do Tricolor que eu vi em Porto Alegre.
Como eu disse: gaúcho não praticante.
Eu, inclusive, não sabia que se tratava do hino do Rio Grande do Sul, enquanto tentava acompanhar a letra entoada a plenos pulmões por 50 mil gremistas antes da bola rolar. Presumi até que “Querência Amada”, do Teixeirinha, também cantada aos gritos pelos gaúchos praticantes, é que fosse o hino.
A frase “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra”, que é repetida algumas vezes no hino oficial, chamou a minha atenção no Olímpico. Parecia um grito tribal, que unia toda aquele gente sob uma identidade comum.
E é mais ou menos isso mesmo, um sentimento forte de comunidade.
É na verdade uma referência à Revolução Farroupilha, mas, naturalmente, ganha novos significados a cada geração de gaúchos que passa.
E tenho certeza que ganhará novo significado agora, na luta da reconstrução do Rio Grande do Sul. Será uma nova façanha desse povo colocar Porto Alegre e cidades do interior de pé novamente.
E ela já serve de modelo a toda Terra, como estamos vendo na mobilização de pessoas de todo o Brasil e muitas partes do mundo para ajudar.
Por fim, doe e faça contribuições, se puder. O povo gaúcho precisará de muita ajuda por um bom tempo, ainda, de acordo com as previsões meteorológicas e de baixa das águas.
(N.E.: um amigo gaúcho leu o post e disse “tu é gaúcho não praticante mesmo, fala sanfona quando todo mundo sabe que o correto é GAITA”)
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