Neste 16 de maio de 2024 se foi Silvio Luiz. Um dos maiores narradores do futebol brasileiro, ele certamente foi o mais criativo e diferentão. Basta dizer que nunca gritava gol.
O momento máximo do esporte era anunciado por ele com um sonoro “ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ”, seguido de frases que todo torcedor conhece.
Meus primeiros contatos com o seu estilo inconfundível foram nas transmissões do Campeonato Italiano no fim dos anos 1980, na Bandeirantes. Silvio Luiz formava uma dupla impagável com o comentarista e cozinheiro Silvio Lancelotti.
Enquanto Maradona, Van Basten, Matthäus, Gullit, Baggio, Careca e outros desfilavam o melhor futebol do mundo na telinha, os silvios traziam muita irreverência, emoção e dicas da Velha Bota — incluindo receitas de macarronada.
Desde então, Silvio Luiz virou meu narrador favorito. Ele era um contraponto à perfeição técnica de Galvão Bueno e Luciano do Valle, e acho que inclusive fez com que eles dessem uma aliviada na seriedade com o passar dos anos.
Como homenagem, deixo aqui a listinha dos meus bordões preferidos do Silvio Luiz, que eram a sua grande marca registrada.
1. O não-grito de gol
O bordão principal não poderia ser outro senão o não-grito de gol. Silvio Luiz tinha uma sequência fixa, em que encaixava o time, o jogador e o tempo de jogo. Vou relembrar aqui o gol do título do Grêmio na Copa do Brasil de 1997, narrado diretamente do Maracanã e transmitido pelo SBT (vídeo abaixo).
“ÉÉÉÉÉÉÉÉÉ do Grêmio! Confira comigo no replay! Foi foi foi foi foi ele, Carlos Miguel, o craque da camisa número 11. Quando eram jogados redondos 35 minutos do segundo tempo no Maracanã, está tudo igual no placar!”
Tudo isso com a inconfundível voz rouca e os Rs sempre reforçados nos começos das palavras. Inesquecível!
Logo depois, Silvio ainda chamaria o repórter de campo ou o comentarista para completar a emoção do gol com mais informações. O mais clássico era “Juarez Soares, o que é que só você viu?”, direcionado para um grande parceiro dele de transmissão, o China.
O vídeo acima tem a transmissão completa do jogo, caso você seja gremista. Ou flamenguista, sei lá…
2. “Olho no lance”
Esse bordão é tão emblemático que virou o título da biografia de Silvio Luiz. Se ele não gritava gol, por outro lado sabíamos que uma jogada importante estava prestes a acontecer quando ouvíamos “olho no lanceeee”.
Podia vir o gol, e com ele a narração do item anterior. Ou então ouviríamos na sequência outros bordões históricos que marcavam os gols perdidos.
3. Quando não saía o gol
Silvio Luiz deu um jeito de usar sua criatividade para narrar os momentos que o torcedor não quer ver: os gols perdidos. Era sempre “olho no lance”, e…
- “NO PAAAAAAAAAAU” (quando a bola ia na trave; depois de alguns anos ele passou a gritar “NO FEEEEEEERRO“, pois as balizas não eram mais feitas de madeira, o que exigia a troca)
- “UUUUUUUUUUUH” (às vezes ele apenas emulava o grito da arquibancada quando a bola passava raspando a trave e ia para fora; era como se fosse o nosso representante dentro da televisão)
- “PELO AMOR DOS MEUS FILHINHOS, ZEEEETTI” (uma grande defesa era marcada por esse quase desabafo, algumas vezes trocado por “PELAS BARBAS DO PROFETA“; usei o ex-goleiro do São Paulo aqui porque seu nome era muito sonoro, e Silvio narrava muito o Paulistão na Band)
- “Ô, FULANO, O QUE É QUE EU VOU DIZER LÁ EM CASA” (essa era reservada para os gols feitos perdidos, como se pedisse uma justificativa ao atacante por não poder ter narrado o gol)
- “MINHA NOSSA SENHORA” (a santa mãe de Jesus Cristo era invocada quando uma oportunidade incrível era desperdiçada, geralmente em alguma intervenção do zagueiro)

4. Quando começava o jogo
Se você estivesse distraído, Silvio Luiz tinha um jeito de te avisar que o jogo estava para começar. Em tempos em que o placar e o tempo de jogo não ficavam o tempo na tela da TV por razões técnicas, o narrador ainda te lembrava de iniciar o cronômetro.
“Acerte o seu aí, que eu arredondo o meu aqui… Está valendo!”
Era praticamente um chamado à torcida, fazendo com que você entrasse imediatamente no clima da partida. Os 90 minutos mais importantes da sua vida estavam prestes a começar!
5. O não-grito de gol do Brasil
Silvio Luiz ainda reservava um não-grito de gol exclusivo para a Seleção Brasileira. Ele era diferente do dos clubes, e trazia ainda mais emoção logo na abertura. Era mais ou menos assim:
“ÉÉÉÉÉEÉÉÉ mais um gol BRASILEIRO, meu povo! Enche o peito, solte o grito da garganta e confira comigo no replay!” Depois, seguia como no primeiro item deste post.
"Agora Rivado, manda o Sabugo. Olho no lance: Éééééé mais um gol Brasileiro meu povo!"
— Érich Ribeiro 🇾🇪🏆 (@oerichribeiro) May 16, 2024
Lembro na copa 98 eu pedia pro pai pra gente ver o jogo no SBT e o pai queria ver com o Galvão Bueno na Globo. pic.twitter.com/WBlMSKqkXw
Era ainda mais legal quando ele usava também, depois do “foi foi foi foi ele”, o definitivo “balançou o capim do fundo do gol da Argentina”. Sensacional.
Falando em Seleção Brasileira, lembro de algumas vezes nos anos 90 em que o time ia de mal a pior e sofria para ganhar de equipes menores. Em uma Copa América no Equador, em 1993, o Brasil apanhou para passar de fase. Silvio narrava os tentos dos adversários de forma soturna, ainda mais não-gol: “queimou o filme em Cuenca”.
Você não sabia se ficava puto com o gol ou se ria.
Dia de muitas perdas para o jornalismo esportivo
Silvio Luiz se foi, e com ele muito da criatividade das transmissões esportivas. Alguns narradores atuais tentam emplacar bordões artificiais, sem sucesso, além de exagerar nos gritos, mas sem um pingo do carisma de grandes nomes do passado. Assim, tá meio chato ver futebol.
Também no dia de hoje, acordamos com as notícias das mortes de Antero Greco e Washington Rodrigues, o Apolinho. Foram 3 grandes perdas para o jornalismo esportivo brasileiro em questão de horas.
O futebol vai se despedindo de lendas mesmo fora das quatro linhas, tornando-se cada vez menos emocionante. Resta-nos agradecer por esses três grandes profissionais, que nos trouxeram grandes alegrias nas últimas décadas!
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